Entrevistas  01/04/2022 | Por: Pedro Damian

Entrevista

Luiz Carlos Moraes, ANFAVEA e José Maurício Andreta Júnior FENABREVE

Mercado poderá crescer mais este ano


Luiz Carlos Moraes, presidente da ANFAVEA, e José Maurício Andreta Júnior, presidente da Fenabrave, manifestaram-se no início de janeiro sobre como foi o mercado automotivo em 2021 e suas perspectivas para este ano, além de sugestões para que o setor possa manter um crescimento sustentável. Borracha Atual publica aqui os principais pontos abordados pelos executivos. 

BORRACHA ATUAL: Como foi a produção de automóveis em 2021 em relação aos anos anteriores? E de caminhões e ônibus?

ANFAVEA: Quero ressaltar o esforço que as montadoras fizeram em seus departamentos de logística, falando com as matrizes para destinar mais módulos, mais semicondutores para o Brasil, na medida do possível.Foi feito um trabalho muito forte também junto a fornecedores e funcionários, sindicatos, de forma que pudéssemos ter a maior produção possível. No total, 2.248.000 veículos foram produzidos, número muito próximo do cenário mais otimista com que estávamos trabalhando no caso do mercado interno. Ultrapassamos em 29 mil unidades o limite superior das projeções feitas em setembro.

Em relação a caminhões e ônibus, em que pesem todas as dificuldades em obter componentes com a crise que estamos passando de oferta de componentes, no acumulado do ano chegamos a 158,8 mil unidades, o que dá quase 75% a mais do que 2020 e é sempre bom lembrar que 2020 foi o ano da pandemia mais forte, em que as revendas ficaram fechadas. Ainda assim foi um volume muito bom para o mercado de caminhões, foi o melhor resultado desde 2013. Quanto aos ônibus, chegamos a quase 19 mil unidades, 2,6% mais que 2020. É o melhor acumulado desde 2019.

Como se comportaram as vendas no mesmo período?

ANFAVEA: No acumulado atingimos 2.120.000 unidades, o que significa um crescimento de 3%, ficando bastante próxima de nossa projeção de 2.118.000 unidades. No final de setembro, fizemos nossa projeção considerando dois cenários: um mais conservador com mais restrições na disponibilidade de semicondutores e outros insumos e um cenário com uma restrição menor, ainda com recessão, mas uma recessão menor, e esse foi o que se confirmou e praticamente acertamos o número total de emplacamentos. É o melhor acumulado desde 2019, um ano antes da pandemia. 

No acumulado o setor de automóveis teve uma queda de 3,6%, SUV’s tiveram um crescimento de 26,5% e os outros modelos caíram 18%. A participação dos SUV’s entre os automóveis foi de 42,7%, um resultado bastante bom para este segmento de veículos. 

Nos pesados, falamos durante o ano que os caminhões tinham um patamar diferenciado, maior do que havia experimentado nos últimos anos e isso se confirmou. No acumulado chegamos a 128.700 unidades, o que é 43,5% maior do que o ano de 2020. É um número bem interessante, o melhor acumulado desde 2014. O destaque é a participação dos caminhões pesados com 51% dos licenciamentos. Se somarmos os semipesados, chegamos a 76% desse mercado. Isso mostra a força do agronegócio para o setor de caminhões. Mineração e e-commerce também contribuíram bastante para o resultado. Quanto aos ônibus, o segmento continua fragilizado, principalmente devido à pandemia.  No acumulado chegamos a 14.100 unidades, 0,9% a mais que 2020 e o melhor resultado desde 2019. Estimamos que o volume de licenciamentos dedicados a locadoras foi de cerca de 410 mil unidades, 21% do total do emplacamento de veículos leves.

FENABRAVE: No ano de 2021, o acumulado atingiu 3.497.077 unidades de veículos novos comercializados, crescimento de 10,57% sobre 2020. Os números estão bem próximos aos divulgados em nossas últimas projeções. O ano de 2021 foi complexo, em diversos aspectos. Ainda assim, conseguimos fechar o ano com o 12º melhor resultado, desde 1957.

A indústria automotiva brasileira foi mais impactada pela pandemia do que suas similares em outros continentes?

ANFAVEA: O que aconteceu com o Brasil está em linha com o que aconteceu nos principais mercados do mundo. A inflação como efeito da pandemia é um problema global. O EUA estão enfrentando a inflação mais alta dos últimos 40 anos. A pandemia provocou essa distorção de oferta e demanda, as commodities subiram, o que provocou essa inflação que não estava sendo considerada pelos economistas e que é mais uma sequela da pandemia. Ainda estamos enfrentando isso. Não vamos resolver em 2022, que ainda terá inflação acima da média e esperamos que em 2023 os bancos centrais, inclusive o do Brasil, consigam equacionar o problema para termos uma situação mais equilibrada de preços.

Quais as dificuldades enfrentadas neste ano pelo setor, além da pandemia?

ANFAVEA: As restrições da oferta de insumos, restrições por parte da demanda por conta do desemprego alto, a taxa de juros bastante alta, pois o governo quer controlar a inflação, retém a demanda e isso tem impacto em nosso setor. E, claro, a carga tributária que é absurdamente alta.

FENABRAVE: Ainda vivemos uma crise global de abastecimento de insumos e componentes na indústria, além do fato de novos desafios terem surgido para o setor, como os constantes aumentos nas taxas de juros, que vêm impactando nos financiamentos.

O que o governo poderia fazer para incentivar o mercado automobilístico?

ANFAVEA: Eliminar o IPI (o Brasil é o único país que tributa produto industrializado) poderia trazer mais consumidores e aumentar o volume substancialmente, sem falar que provavelmente a arrecadação seria maior do que é hoje. É uma alavanca que poderíamos trazer dentro da reforma tributária ou até antes, para promover um crescimento mais robusto do setor de transformação, não apenas do setor automotivo.

Outra ferramenta seria a retomada do bem. Hoje os bancos estão muito preparados para financiar, têm inteligência muito boa sobre mercado, sobre consumidor, usam inteligência artificial para emitir o crédito. Mas temos problemas sérios estruturais, que é a retomada do bem. Quando há inadimplência, para retomar o bem é um custo absurdo. Se pudéssemos eliminar essa burocracia com um conceito melhor, poderíamos diminuir o spread dos bancos.

Como foram as exportações em 2021? 

ANFAVEA: As montadoras tiveram um esforço muito importante para aumentar suas exportações e embarcar seus veículos para os países da América Latina, especialmente. No acumulado foram embarcadas 376 mil unidades, um número muito próximo de nossa projeção em um patamar mais alto de 377 mil unidades. Foram exportados U$ 7,6 bilhões, um número bom, até porque exportamos mais veículos pesados. É um número importante em termos de divisas, mas muito abaixo de 2018, U$ 11 bilhões. 

Esse é o lado positivo. O lado negativo é na comparação com 2018, quando exportamos 629 mil veículos. Tem o impacto da pandemia, óbvio, no mercado externo, mas também têm as mesmas dificuldades de sempre, destacando-se: crédito tributário que carregamos, dificultando nossas exportações e o Reintegra, resíduos tributários pelos quais estamos lutando para ter mais competitividade em outros mercados. Precisamos ter mais financiamento para exportação. O governo divulgou a balança comercial que atingiu um número muito bom, mas a maior parte veio dos produtos básicos, os produtos manufaturados, que geram mais empregos, mais impostos, mais desenvolvimento e mais pesquisa, ainda têm uma participação muito baixa na balança comercial brasileira. 

Chegamos ao número que imaginávamos, mas é muito abaixo do que o setor pode fazer, do que a indústria de transformação pode fazer, caso eliminássemos definitivamente todos os problemas estruturais que dificultam a participação das exportações no mix total de produção. Isso vale para o setor automotivo, mas vale também para outros setores da indústria. Redução do custo Brasil é uma meta que devemos continuar atacando, isso é fundamental para o desenvolvimento do país.

Quais os principais destinos para nossas exportações?

ANFAVEA: Argentina, México e Colômbia. Porém, os países que puxaram o desempenho em 2021 foram a Colômbia, Chile e Uruguai, que são mercados pequenos, mas que tiveram participação importante no mix das exportações brasileiras. O destaque negativo foi a Argentina, que teve redução em termos de volume na comparação com 2020, de 50% para 34%. Nos pesados foram a Argentina, o Chile e o Peru. 

O nível de emprego se manteve no período?

ANFAVEA: Fechamos 2021 com 101.100 empregos diretos no setor. Apesar do fechamento de quatro plantas no Brasil, o nível de emprego manteve-se estável, o que mostra a preocupação das montadoras.

Como será em 2022?

ANFAVEA: Vai depender muito da retomada da economia. Estamos retomando moderadamente, estimando um crescimento de 9,4% na produção brasileira. Se a retomada for melhor com a adoção das reformas estruturais, se não houver volatilidade por conta das eleições, se houver uma retomada dos mercados mais fortes, o impacto será positivo. Mas projetamos uma retomada moderada e o emprego vai acompanhar essa previsão moderada.

Como está o mercado de carros elétricos no Brasil atualmente?

ANFAVEA: Tivemos um crescimento relevante em 2021. Várias montadoras estão trazendo modelos para o Brasil, tentando criar esse mercado que é limitado ainda pelo preço e pela carga tributária inadequada, mas tem um apelo enorme pela nova tecnologia. As montadoras estão focadas na infraestrutura, como trabalhar junto à iniciativa privada para ter mais atrativos para o consumidor do carro elétrico. Não temos uma previsão específica para esse segmento, mas imaginamos que terá um crescimento importante para este ano.
Quais as perspectivas de produção, vendas e exportação para 2022?

ANFAVEA: Trabalhamos com um cenário de crescimento na ordem de 8,5% (2.300.000 veículos licenciados, sendo 2.143.00 veículos leves e 157.000 pesados, onde  140.000 serão caminhões e 17.000 ônibus).

Nas exportações trabalhamos com um cenário de crescimento moderado; muitos países estão se recuperando, a Argentina que é um mercado importante ainda tem certa restrição e aqueles temas que sempre falamos, como o custo Brasil e os resíduos tributários, dificultam a nossa pauta de exportação de forma mais robusta. Então prevemos um cenário de 390.000 unidades.

Na linha produtiva, trabalhamos para que seja possível uma produção de 2.460.000 unidades, um crescimento de 9,4%. É uma previsão de crescimento moderado, pouco superior ao da FENABRAVE, cerca de 80 mil, nada discrepantes.

FENABRAVE: Projetamos crescimento de 5,2%, para 2022. No total, 3.544.052 veículos devem ser emplacados neste ano. 

Quais as previsões para a economia brasileira em 2022?

ANFAVEA: Usamos um cenário para fazer as previsões. Há várias opiniões no mercado sobre o PIB. O Secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, o Adolfo Sachsida, afirmou que pode ser um crescimento de 2%. O Banco Central fala em 1%. Tem vários bancos afirmando que teremos crescimento zero e há outros que falam até em recessão, com queda do PIB. É muito difícil assim fazer uma previsão pois a pandemia desestruturou a economia ao redor do mundo. Os modelos econômicos tradicionais não conseguem capturar todas as variáveis. Trabalhamos com um crescimento moderado de 0,5%, confiando que aos poucos, com a vacinação, a pandemia arrefecerá. 

No agronegócio esperamos um desempenho positivo. E há premissas negativas, como a inflação, que vai continuar acima da meta, a taxa de juros, que estamos considerando ao redor de 11% ao longo do ano de 2022 - isso reduz nossa previsão por conta do CDC - o CDC já está em média 27% e isso tem um impacto na retração do consumo (e em nosso mercado, em que 50% dos consumidores financiam a compra de seus veículos); e tem o câmbio com a taxa flutuante - estamos trabalhando na faixa de R$ 5,50 mas com bastante volatilidade e isso tem impactos.

Essas são as premissas básicas que utilizamos. Fizemos as simulações esquecendo a demanda, esquecendo a capacidade das pessoas comprarem carro, para saber qual seria a nossa capacidade de produção e oferta de veículos considerando dois cenários. O cenário em que temos mais restrições de fornecimento de semicondutores como enfrentamos no segundo semestre de 2021. E o cenário menos crítico, ainda com restrição da oferta de insumos, mas menos crítico, partindo do pressuposto que aos poucos teremos condições de administrar melhor a questão da oferta de insumos como semicondutores. Esse pelo lado da oferta. Pelo lado da demanda, colocamos em outra sacola os elementos econômicos (PIB crescendo 0,5%, o agronegócio ajudando de alguma forma, mas a inflação e os juros puxando para baixo nesse mesmo mercado) e a nossa previsão é uma combinação dos dois elementos. Mistura alguma restrição na oferta também com alguma restrição na demanda por conta do desemprego e da alta taxa de juros.

Que fatores podem dificultar o crescimento do mercado automotivo neste ano?

ANFAVEA: Teremos vários desafios em 2022. O primeiro é que é um ano eleitoral, que sempre traz debates de como será a política econômica do próximo governo, se será mais restritiva, mais protecionista, mais liberal... Isso traz volatilidade. Sempre tem a discussão se manteremos o equilíbrio fiscal e isso o mercado financeiro precifica, pode trazer aumento de custos adicionais, câmbio mais alto, juros, aumento da carga tributária. Temos ainda a fragilidade do mercado de trabalho. E ainda há, como no caso dos semicondutores, questões de logística e restrições na oferta de insumos que podem afetar o novo planejamento do setor automotivo em 2022. Os problemas estruturais que temos no Brasil e que temos que continuar atacando. Poderemos ainda ter paralizações por falta de componentes. E por último, o fato mais recente, é o impacto da variante omicron no Brasil e no mundo. Estamos acompanhando esse tema preocupante.

FENABRAVE: Situações conjunturais, falta de componentes eletrônicos e outras variáveis como a economia turbulenta e a realização das eleições, que costumam criar um cenário de incertezas.

E de que forma a nova pandemia poderia impactar o mercado?

ANFAVEA: Em nossas previsões para 2022 não levamos em conta novos lockdowns. Estamos observando com muita atenção esse tema, primeiro dentro de nossas organizações. As montadoras já estão fazendo um reforço da comunicação com seus empregados e familiares, reforçando todos os cuidados dentro das fábricas para que haja o menor impacto possível. A epidemia não acabou e não podemos subestimar o impacto dessa nova onda. Quanto aos nossos fornecedores do exterior, ainda não há reflexos, mas estamos monitorando diariamente.

O que falta para o Brasil se tornar competitivo?

ANFAVEA: Temos várias situações que nos tornam menos competitivos no mercado global. Por exemplo, exportamos impostos e acumulamos créditos. Se resolvermos essas questões poderemos explorar novos mercados.

Considerações Finais

ANFAVEA: Em países modernos só há o IVA, que varia de 20%, 22% atingindo no máximo o patamar de 25%. No Brasil, os impostos são 40%, 50% para o setor automotivo. Portanto, temos um sobrepreço para o nosso consumidor, que tira sua capacidade de comprar um veículo. Se tivéssemos a eliminação do IPI, por exemplo, ou sua redução substancial, mesmo sem a reforma tributária, poderíamos trazer para o mercado esse consumidor que gostaria de comprar um carro com condições mais aceitáveis. Também há a questão do financiamento. O Brasil tem questões estruturais que impedem os bancos de serem mais competitivos na taxa pela questão da retomada do bem. Apenas com esses dois elementos poderíamos trazer para o mercado um maior número de consumidores que poderiam financiar seus veículos. E poderíamos ter uma ocupação maior da capacidade ociosa em nossas fábricas. Não podemos ter tanta tributação no Brasil. O consumidor paga um preço muito alto para ter bens industrializados. Isso vale para computador, celular, geladeira... Precisamos ser mais pró-indústria no Brasil. Senão continuaremos exportando soja, minério de ferro e petróleo.

FENABRAVE: Estamos otimistas em busca de normalidade do sistema, mas dependemos da produção da indústria. Se houver problemas novamente, precisaremos revisar nossas previsões. n