A indústria de pneus está no Brasil desde os anos 40 e fará 100 anos de Brasil como parte da sociedade brasileira de modo profundo. E isso posso dizer particularmente porque cresci no ABC Paulista e convivi com duas das principais fabricantes mundiais de pneus. Era parte da nossa visão de cidade e os funcionários destas empresas faziam parte das famílias na escola, no clube. Fazem parte da sociedade brasileira, naturalmente, tanto quanto uma indústria nacional, puramente nacional, também faz parte.
A ANIP foi criada justamente para representar essa importante indústria de pneus, que emprega mão de obra qualificada, paga bem, é estratégica para um país que é rodoviário e que tem produção de borracha. Quando analisamos o lado ocidental do planeta, o único país que tem borracha natural em produção e que tem uma ampla gama de produção de pneus é o Brasil. Precisamos ampliar a produção de borracha natural, automatizar essa produção, trazendo mais produtividade e aumentando o investimento, já que a importação é obrigatória pois temos déficit, não é uma opção estratégica em si. A ANIP é criada para trazer essa indústria à luz.
Depois foram criadas outras entidades ao redor, como a Reciclanip, que cuida da reciclagem de pneus, coletando pneus inservíveis no Brasil inteiro e levando para a trituração e depois vendendo através da Endap, que é uma empresa comercial também do sistema ANIP, que vende o chip de pneu para as cimenteiras para coprocessamento. E junto existe o Simpec, que é o sindicato, além de uma outra entidade, chamada Alapa, que cuida da parte técnica dos pneus. A Alapa é muito importante, pois ela emite, cria e atualiza o manual de pneumáticos e válvulas para toda a América Latina. A Receita Federal Brasileira e de outros países usam o manual da Alapa para verificar que tipo de pneu existe, qual é a característica da pneu. Consideramos a Alapa como sendo uma quinta força aqui do sistema.
A ANIP tem protagonismo no exterior?
Através da Alapa ela tem, tecnicamente. Ela cria esse manual, que é trilíngue e pode ser baixado gratuitamente pelo site, sendo amplamente utilizado. Temos hoje países que utilizam-no na área aduaneira, na área técnica e na área de vendas, sendo uma referência que ultrapassa o território brasileiro.
Podemos dizer que a ANIP influencia toda a América Latina nessa questão?
Tecnicamente, sim. Comercialmente, ele tem o seu valor como sendo um país que tem borracha natural, tem 21 plantas, um volume alto de fábricas com uma capacidade produtiva muito ampla e com mais de mil tipos de pneus produzidos. É bastante. E um detalhe importante é que os pneus brasileiros, na sua maioria, são utilizáveis no mundo inteiro. Poucos pneus no mundo, poucas unidades fabricadas em um país podem ser utilizadas em tantos outros países como o brasileiro é.
A tecnologia que temos aqui de produção, o nosso pneu é preparado para um uso severo. O pneu de caminhão tem que rodar no asfalto, na terra, na pedra, em nada, no mato... E o automóvel também. Se viajar de automóvel e sair de São Paulo, terá uma malha viária que é altamente apresentável. Mas quando entrar em alguns estados, começará um rali. E o pneu terá que suportar, deverá ter qualidade, e aí entram as pistas de teste nas fábricas, que traz todo esse trabalho de ter um pneu altamente adaptável em situações amplas.
O que impressiona é a quantidade de moldes em estoque. Cada pneu, cada modelo tem um molde. São moldes e moldes e mais moldes. O estoque de moldes é enorme e será usado somente no momento da colocação no equipamento de produção do pneu.
A indústria de pneumáticos é uma indústria intensiva em tecnologia, intensiva em recursos que precisa manter esses moldes todos funcionais para atender uma demanda futura de um tipo de pneu. Essa operação deve ocorrer na máquina de imediato. A complexidade é impressionante.
“Não são 100 anos de existência, são 100 anos de investimento constante.”
Essa complexidade da indústria leva tempo para ser construída?
Exatamente. Quando discutimos isso com o governo ou então em outras esferas, deixamos muito claro que não são 100 anos de existência, são 100 anos de investimento constante. Todo ano devem ser investidos de R$ 300 milhões a R$ 500 milhões ou até R$ 1 bilhão de capital novo. Assim, é estranho quando ouvimos alguns importadores afirmarem que irão fazer três fábricas de pneus com R$ 4 milhões. Esse valor é gasto apenas para manter uma fábrica rodando, para atualizá-la, adquirindo novos moldes, novos modelos, novos testes, novas configurações e novas matérias-primas.
Qualquer investimento em uma pequena nova área adicional de uma fábrica com 2 robôs e 4 máquinas, facilmente seriam necessários recursos da ordem de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões. Uma fábrica inteira não sairia por menos de R$ 1 bilhão, fazendo a terraplanagem e começando a preparar a energia elétrica. Além disso, caso haja mudança de tecnologia do pneu será necessário mais investimento na fábrica, um processo dinâmico com novos processos, dinâmicos, exatamente como está acontecendo com o carro elétrico.
A tecnologia de pneus é exportada?
A tecnologia entre as plantas de um mesmo grupo pode ser compartilhada, intercambiada entre as marcas, mas nossos pneus também são exportados em um volume razoável, mantendo sempre o foco no mercado interno. O mercado interno é o grande foco.
A importação de pneus é uma realidade preocupante?
Esse é um grande problema hoje, onde temos a importação de pneus a preços absurdamente baixos. Estamos falando do Oriente, onde alguns países praticam preços, inclusive, abaixo do custo das matérias-primas. Estamos há mais de um ano conversando com o governo, alertando que alguns grandes mercados já impuseram algumas barreiras quando detectaram esse problema. Detectamos aqui e estamos fazendo essas barreiras agora, embora de uma maneira lenta.
As barreiras têm que ser colocadas, pois a indústria brasileira, por si só, é muito competitiva. Exemplificando, sem citar nomes, uma das plantas de uma grande multinacional aqui instalada é a segunda planta mais competitiva de sua marca no mundo. Então, quando olhamos os números, vemos que na competitividade não temos nenhum problema.
Agora, é impossível competir com alguém que produz abaixo do custo de matéria-prima, abaixo do custo industrial. Nesse caso não é uma questão de ser competitivo ou não. Impossível!
Isso é “dumping”?
Isso é um conjunto de coisas, infelizmente, que inclui subsídio, dumping, subfaturamento, falsa origem, tudo está disponível para os importadores, não todos, lógico, mas enfim, aqueles que trazem nesse preço extremamente baixo. Deve ser feita uma minuciosa fiscalização para separar os corretos importadores dos outros.
O subsídio se caracteriza quando um país dá vantagens para determinado fabricante e distorce o valor do produto. Já o dumping é quando aquele país, aquele produtor, vende a preço mais baixo que o seu mercado interno. Ou ainda quando um país, como é caso da China, usa um terceiro país como referência.
A situação é grave?
É gravíssima, tanto é que estamos perdendo market-share há mais de um ano e não há o que fazer em matéria de competitividade. Começamos a ter mecanismos que no mercado brasileiro não existem. Estamos falando de um mercado normal alinhado com o capitalismo, onde as relações comerciais não funcionam assim. No momento é possível encontrar esse produto no mercado que tem essa variável, onde não vamos conseguir competir. É impossível. É isso que chamamos de produtos tradeable, aqueles que são importáveis, como é o caso do pneu.
O carro usa um pneu que têm especificações, medidas e dimensões específicas, que pode ser adquirido no mercado ou na internet com disponibilidade de várias marcas. Então é um produto tradeable, onde o consumidor pode substituir com qualidade, pode importar, então é um produto que tem uma sensibilidade maior à importação. Tem o cliente preço e o cliente qualidade. O mercado é mais cliente preço. Ele pode comprar pneu nacional porque sabe que é melhor ou comprar tal marca para tal carro porque gosta de dirigir seu carro com pneu premium. Quando não conseguimos competir com um produto com um preço tão baixo assim, teremos um impacto no mercado muito grande. A cadeia toda fica impactada começando pela borracha natural, pois reduz o volume da indústria que diminui a compra da matéria-prima.
“É impossível competir com alguém que produz abaixo do custo de matéria-prima, abaixo do custo industrial .”
O subsídio e o dumping têm alguma explicação?
A China, desde a abertura econômica de 1979, se abriu para o mercado, buscando produzir e exportar, utilizando como motores econômicos a construção civil, o investimento público e a produção para exportação. Desde então vem usando esses motores de modo muito forte. E um dos motores econômicos que ela usa constantemente é a exportação, que é produzir para o mercado interno e para a exportação, trazendo fábricas do mundo inteiro para lá e absorvendo tecnologia. Isso é uma constante na China nos últimos 40, 50 anos.
O Brasil tinha mecanismos para fiscalizar esse preço e em 2021 abriu mão. Parou de aplicar. Importações tinham um preço mínimo para serem autorizadas, quando abriram as porteiras esta regra foi interrompida e o mercado ficou escancarado com produtos chegando a preços muito baixos. Houve mecanismos, subfaturamento, repasse do subsídio, porque se o país determina um certo valor, que é um valor mínimo, esse valor mínimo estabelece uma certa ordem de mercado.
Essa mudança desestruturou o mercado?
Sim, e não só o de pneus, mas de outros produtos também, que estão sofrendo muito pela perda da organização de mercado. Nesse ponto temos que recorrer a outras medidas que são demoradas no mundo inteiro, como fazer um antidumping, fazer uma salvaguarda, investigar, ir atrás da aduana.
Aumentamos a alíquota do pneu de passeio, mas a de carga não foi possível. Alguns podem pensar que somos protecionistas. Mas não, estamos querendo que a competição ocorra no mesmo nível. Só isso. Não temos medo de concorrência, de forma alguma. O que não podemos admitir é concorrência desleal.
No caso de serviços, por exemplo, a maioria é não tradeable, como no caso dos bancos e cabeleireiros. Quando falei da revista, por exemplo, e da organização Borracha Atual aqui, é uma organização que tem o seu custo natural de Brasil. Ela funciona bem, faz um anuário bacana para caramba. Está tudo dentro da nossa realidade. E da realidade, vamos dizer assim, de livre mercado organizado, está tudo certo. Ela não tem uma concorrência externa. Agora, produto tem, a ponto de eliminar a produção.
Seria difícil reconstruir a cadeia produtiva de novo?
Perdeu, não monta mais. É a mesma coisa de borracha natural. Amanhã, se perder a cadeia, os agricultores irão plantar outra coisa. A época de montar a cadeia no Brasil foi nos anos 60 e 70, na fase da industrialização, onde ocorreu a nacionalização. Hoje, a concorrência internacional é tão forte que para você nacionalizar, começa a ter que pensar em subsídio. Aí ninguém quer fazer.
Existe problema de mão de obra na indústria de pneus?
A indústria de pneus procura manter o máximo possível o seu pessoal, que é um pessoal que tem um treinamento muito grande, tem um conhecimento técnico muito grande. A indústria de pneus é uma indústria que paga bem e que se esforça para manter o seu pessoal. Não é uma indústria que você facilmente encontra mão de obra no mercado. Lógico, aquilo que é mais comum existe, mas para a questão produtiva mesmo, manufatura, parte técnica, parte de engenharia, existe uma especialização alta.
Como estão os investimentos da indústria nacional?
Realizamos investimentos até o ano passado e também neste ano, mais na parte de logística do que de produção. A produção concentrou-se em projetos que estavam no pipeline, estavam chegando e tinham sido acordados, sendo contratados ou pagos, então chegaram. Parte desses investimentos, de alguns milhões, alguns ainda estão lacrados, aguardando o momento para serem implementados.
Falta demanda para estes investimentos?
Não tem demanda. Ao fazer um investimento desse porte, melhora-se a qualidade e incrementa-se o volume de produção, trazendo novas tecnologias, melhorando a qualidade e a capacidade de produção. Aumentar a capacidade de produção está difícil num momento onde os estoques estão abarrotados de pneu até a tampa, como costumamos dizer. Temos que pensar em como reduzir estes estoques sem dar prejuízo, pois parar a indústria também é muito caro. Então, implementam-se tentativas para equilibrar, para tentar reduzir um pouco e não perder pessoal, até chegar nos lay-offs. Colocar para rodar não dá e novos investimentos estão todos em stand-by.
As importações são mais preocupantes em qual tipo de pneu?
Existe um número enorme de fabricantes na China, até o Vietnã também é um problema. São vários tipos de pneu, mas principalmente passeio, carga e agrícola. Alguns pneus vêm da Índia, que hoje são alvo de nossa investigação porque existe uma condição totalmente fora de mercado. É mais uma questão de tamanho de mercado aqui do que do que existir o pneu lá. O pneu existe lá e entrará ou não aqui, se tiver mercado. O pneu de carga e o de passeio que têm um mercado amplo, já entraram, e os próximos da vez serão os agrícolas e os OTR, no futuro.
“A indústria de pneus é uma indústria que paga bem e que se esforça para manter o seu pessoal.”
Pneu agrícola é um mercado importante?
É um mercado importante como todos eles, no equipamento original e na reposição, mas é um pneu que já tem concorrência desleal também.
O problema de importação é só na reposição ou no equipamento original também?
Quando falamos de automóveis, caminhões e ônibus é só na reposição, no original não entra. Esses pneus são desenvolvidos muitas vezes para as montadoras, tem toda uma parceria técnica muito pesada, homologações extremamente custosas para homologar o pneu, existindo toda uma relação técnica. Já em implementos rodoviários, nas carretas, há uma mistura e tem importação, o mesmo ocorrendo nas máquinas agrícolas. Assim, na verdade, especificamente na reposição, o que preocupa são os mercados maiores como dos automóveis, caminhões e ônibus.
A atuação junto ao governo já deu certo ou vai dar certo?
O que já deu certo é a elevação da alíquota para pneu de passeio de 16% para 25%, que irá para consulta no MERCOSUL, mas não deverá haver nenhum problema. O que temos em andamento é a investigação de falsa origem, quando um país é triangulado por outro país para não pagar antidumping. Isso está em fase de investigação no local, que chamamos de investigação in loco. Tivemos também o bloqueio de pneu mais roda – o pessoal importava o pneu com roda para não pagar antidumping. O governo entendeu que essa era uma operação desleal e já cortou – vão pagar antidumping também lá. E outra falsa origem aconteceu com os pneus agrícolas de Hong Kong, que eram chineses. Para não pagar antidumping colocavam como sendo de Hong Kong.
Existe uma estrutura para avaliar essas situações mais rapidamente?
Mecanismos, não equipes. No MDIC existem áreas ligadas ao comércio exterior, ligadas a esses problemas, que trabalham muito e não receberam muita atenção de governos anteriores e ficaram pequenas. Temos dado muito apoio para melhorar as equipes, que são pequenas e o volume de processos é enorme. Muitos setores têm problemas. Se fala de antidumping, de antisubsídio, é no DECOM, departamento que fica dentro da SECEX, que é uma secretaria que fica dentro do MDIC. O DECOM está com um número de pessoas muito pequeno para o número de processos que estão entrando. E é muito trabalhoso. Imagine que tem que analisar dados de empresas nacionais, dados de importadores, tem que ir na empresa nacional fazer in loco, ir nos importadores fazer in loco. O modelo do processo, inclusive, é OMC. Mesma coisa o antisubsídio, tem que investigar o antisubsídio. As equipes foram até reduzidas nos últimos anos e a demanda é enorme. Parte porque tiraram também o mecanismo...
Sem pessoas, os processos se acumulam?
Exatamente. Ás vezes as pessoas reclamam que o governo está demorando muito. Mas não sabem quantas pessoas estão fazendo. Poucas pessoas. As áreas que cuidam da defesa comercial, negociações internacionais segundo falsa origem, o DECEX, que é a área de operações comerciais, que cuida da questão do licenciamento não-automático por fraude, e a própria Receita Federal, a aduana, precisam de mais pessoas, porque o trabalho é muito – e muita gente ainda fala que o governo está inchado. Pode estar inchado em outros lugares, mas nessa área não. Acompanho essa área desde 2005 e o volume de trabalho, os casos só aumentam. E o pessoal não aumenta. Agora parece que terá um alinhamento. É importante que nós, como brasileiros, entendamos que tem parte do governo que trabalha muito e tem pouca gente e tem aquela parte que tem muita gente e trabalha pouco. Deixo aqui o recado de que a SECEX, as diretorias, os departamentos, precisam de mais gente.
Uma parceria privada-estatal daria certo?
É um trabalho do governo, uma área do governo que trabalha muito seriamente com regras da OMC e sempre olhando, sem dar nenhuma vantagem, mas sempre olhando a indústria nacional. Vantagem não tem, tem que provar numericamente que tem invasão, que tem um dano e que tem um nexo causal entre invasão e dano, vai ter que provar isso. Não tem conversa, se não provou, perdeu o processo. Mas eles estão sempre atentos à situação da indústria nacional.
“É importante que nós, como brasileiros, entendamos que tem parte do governo que trabalha muito e tem pouca gente e tem aquela parte que tem muita gente e trabalha pouco.”
Essas demandas terão efeito a curto prazo?
O que já conseguimos, sim. O que iremos conseguir é um prazo mais longo de dois anos. Então, lógico que a indústria está tentando sobreviver nesse período. Se ela não sobrevive, ela passa a importar, o que é caótico para a cadeia produtiva e não queremos. Então, o que falamos com o governo é que tudo têm um prazo, as coisas vão indo. Um bom exemplo foi uma grande montadora norte-americana que fez a conta e viu que tinha um prejuízo milionário por mês e passou a ser importadora.
As empresas sempre estão planejando?
A conta diária não, ela é momentânea. Toda hora esse botão aparece, a operação que dá mais resultado, que dá um buraco e opções para resolver. Então, se você fabrica pneu no mundo inteiro, em último caso, você vai trazer a tua linha de pneu de tal lugar para outro lugar, com preços competitivos e vai atender a tua rede, vai atender o seu cliente com pneu nacional e pneu importado. Não queremos importar, a indústria como quase centenária, não quer ir embora daqui. Ela tem toda uma estrutura muito grande e produtiva, tanto a cadeia quanto a própria indústria de pneus. Então, não queremos, estamos lutando muito e não estamos em nenhum momento falando, “olha, é hoje ou amanhã”, mas, uma hora, a decisão não é nossa, a decisão é da corporação.
Houve uma proposição de lei para acabar com a recauchutagem do pneu?
Acredito que houve algum engano por parte desse parlamentar, alguma falha de comunicação, alguma coisa assim. A reforma é uma atividade fundamental em várias faces. A parte ambiental é fundamental porque ela alonga a vida do pneu, da carcaça. Então, quando temos uma carcaça como a nacional, que pode durar até duas vidas a mais do que a inicial, estaremos postergando o descarte desta carcaça.
Quando pegamos essa carcaça do pneu nacional, principalmente, que é muito boa e utilizamos parte da massa para torná-la funcional de novo, estamos reduzindo o uso de carbono. E os importadores, infelizmente, não cumprem a meta. Isso é importante dizer. A reforma do pneu é muito importante não só para o país na parte ambiental, mas para o caminhoneiro na parte econômica. É impressionante, e eu ouvi e recebi muitas organizações de caminhoneiros preocupadíssimos com isso, e se colocando contra, porque, obviamente, o que faz parte do custo operacional é a reforma.
Hoje, um pneu de carga novo custa R$ 2.500,00, na reforma o custo será de R$ 800,00 ou R$ 700,00. Ela faz parte do custo médio operacional do pneu. O pneu terá que durar isso, mais isso, mais isso, somando toda a quilometragem. Com a reforma hoje, o pneu roda muito bem com as reformas homologadas pelo Inmetro. Não sei de onde veio essa ideia, não falei ainda com o deputado, estou conversando com a senadora Margarete Buzetti. Ficamos impressionados. Eu e ela falamos, que doideira é essa?
Parecia fake news?
Parecia, parecia sim. Não tem nada de errado, o emprego está certo, o meio ambiente também, o custo de transporte idem, não tem nada que seja negativo na reforma, não tem nada, não tem nada, nada, nada. A cadeia produtiva é até ampliada, fortalecendo-a. Temos alguns fabricantes envolvidos na produção, garantindo que esse material vai ser um material de alta qualidade, reformadores de alta qualidade.
O assunto surgiu baseado que na estrada encontram-se pedaços de bandas jogados, um problema de qualidade da reforma. Cabe ao Inmetro fiscalizar os reformadores e eliminar aqueles que apresentam problema e que saiam do mercado, porque realmente é um perigo aquele pedaço de pneu, aquela banda inteira. Isso tem que ser eliminado, mas é uma questão de fiscalização. O próprio pessoal da reforma entende isso claramente. Somente a parte ambiental já bastaria para falar “escuta, arquive-se o PL”.
O pneu é um importante custo para o transporte?
É o segundo custo, porque é um consumível. Então está na conta até do fabricante de pneus que fornece esse serviço do pneu por quilômetro. Se não houver reforma vai encarecer o transporte, vai reduzir emprego e vai gerar passivo ambiental.
O Inmetro desempenha uma importante função?
Sim, o Inmetro é sério. É só fazer cumprir, é só fiscalizar. A fiscalização é um pouco difícil, porque existe um número grande de reformadores e poucas pessoas para fiscalizar e poder bloquear a reforma sem qualidade que é a reforma que estoura, a reforma que não tem metrado, que não tem Inmetro. Aqueles que têm Inmetro, que trabalham corretamente, não acontece.
“A reforma do pneu é muito importante não só para o país na parte ambiental, mas para o caminhoneiro na parte econômica.”
O Brasil é uma superpotência em reforma de pneus?
É verdade. Somos o segundo maior mercado mundial em reforma de pneus, atrás dos EUA, e na importação desleal quem morre primeiro é a reforma. O pneu importado entra muito barato e o caminhoneiro começa a comprar esse pneu importado ruim, mas que é novo e não faz a reforma. A reforma é mais barata que o pneu novo, mas quando o importado ataca o mercado, enxergando a reforma como um mercado, ele tenta chegar num preço que vale a pena trocar o pneu e não fazer a reforma.
O pneu importado de baixo preço, que é a maioria, não dá reforma, ou dá menos reforma, muito menos reforma. Dando menos reforma, também reduz a atividade de reforma. Precisamos de um pneu bom, de carcaça boa, feita e produzida e planejada com material para rodar 300 mil quilômetros. Ele vai rodar em três vidas, por exemplo. Quando a carcaça é ruim, cai no reformador e não passa pela qualidade aí é uma reforma a menos e um lixo a mais. Os importados acabam atacando a reforma, uma atividade que anda de mãos dadas com a produção de pneus de qualidade.
O pneu nacional dá duas reformas em média, enquanto o importado tem dado meia reforma em média, aumentando a geração de carcaça e a geração de passivo. O Ibama poderia ser um órgão anuente na SESEC, na importação, no DESEC, para que aquela marca que não cumpriu a meta de coleta de pneus não possa ser importada até que ela cumpra a meta, até que ela vá atrás do mercado e recolha os pneus. Atualmente o Ibama trata prioritariamente de pneu usado e não de pneu novo.
A Reciclanip recolhe todo tipo de pneu, seja nacional ou importado, não fazendo distinção, evitando o acúmulo de carcaças. Essa operação necessita de R$ 80 a R$ 90 milhões por ano a fundo perdido. Coisa de milhões, que já foi de R$ 110 milhões, mas fomos melhorando o custo, e reduzimos o custo dessa operação de subsídio, buscando em todo o Brasil. A lei estabelece responsabilidade compartilhada. O ponto de coleta é do varejo e temos que receber esses pneus e destinar. Nós não recebemos, vamos buscar.
O problema para reciclar o pneu é sua coleta?
É que não fecha a conta... Majoritariamente, o volume vai para cimenteiras, em chip. O chip se valorizou. Os trituradores que fazem para nós operam por conta também num raio de distância em volta deles para fechar a conta. Então, por exemplo, se ele vende um chip a R$ 500,00 ele gastará em frete até R$ 150,00 a R$ 180,00 por tonelada. Acima disso, não compensa sua coleta e realizamos nós essa coleta para fechar a conta. Tem pneu no Amazonas, no Acre, no Amapá, no Pará, trocamos até de navio e vamos buscar. Assim, às vezes, rodamos 2 mil quilômetros com o pneu em serviço. É uma loucura.
Fomos profissionalizando a operação de reciclagem dos pneus, realizada aqui na sede, o back office, que trabalha com a parte fiscal, a contabilidade e o financeiro, que também opera para as entidades em si. Contamos com um RP que cuida das operações, mas 80% do volume de trabalho é na coleta. Temos, em média, de 35 a 40 caminhões rodando por dia com pneu. Todo dia.
Isso chama-se RECICLANIP?
A parte de frete de pneu inteiro é a RECICLANIP. A parte de trituração é a Indap, que é uma empresa comercial. A RECICLANIP existe para cobrir o déficit financeiro da operação. Por isso o importador não cumpre meta, porque ele teria que investir.
A indústria brasileira de pneus está antenada com a economia circular?
Totalmente. Somos um modelo, inclusive consultado por entidades europeias sobre como procedemos. É uma complexidade operacional muito grande e uma variação também dos produtos, pois na Europa o pneu gastou até certo ponto e é descartado. Aqui não, em certos estados o pneu é utilizado até voar o aço para fora, fazem ressulcagem, ocasionando uma variação de produto, variação de qualidade e variação de consumo. O Brasil são vários países num só, onde um pneu pode transitar, às vezes, 2 mil, 3 mil quilômetros, uma loucura.
O sistema da RECICLANIP hoje no mundo é referência, atuando num país enorme, com dificuldade e variação de produto muito grandes, coletando o pneu importado no meio, transformando tudo isso em chips de cimenteira ou em pó para asfalto, que aí é uma opção do triturador. Não vendemos pó, mas fazemos parceria de transporte, pois o pó de asfalto usa somente pneu de carga. Muitas vezes compartilhamos o frete, recebendo o certificado, mas não operamos no pó, somente o chip.
“O pneu nacional, dá duas reformas em média, enquanto o importado tem dado meia reforma em média.”
Qual o destino do pó de pneu?
Não operamos, mas podemos comprar certificado, pois quando valorizamos o chip, os trituradores começaram a vender direto, naquela área que eles conseguem fechar a conta. Assim, o volume de pneu disponível diminui e compramos o certificado, complementando o nosso volume com o certificado da operação de terceiros. O conforto do governo é que a Reciclanip opera onde a conta não fecha.
Qual a influência da energia verde no pneu?
A indústria mundial de pneus estuda freneticamente como circularizar, fazendo investimentos bilionários. Cada marca faz o seu investimento, a sua rota na busca de circularizar, onde o ideal é que o pneu volte a ser pneu. O pneu é um produto muito coeso após vulcanizar, com vários produtos químicos como a borracha sintética, a borracha natural, fios têxteis e metálicos. Ao vulcanizar com pressão e temperatura, o pneu verde, aquele que não está vulcanizado, irá tomar o formato final com as ranhuras e todas as classificações dos dados, podendo ser instalado no carro e rodar 60 mil quilômetros. Temos um produto extremamente técnico, extremamente coeso, que vai garantir toda essa vida útil. Consequência disso: dificuldade de desfazê-lo. Quanto mais coeso o produto, mais difícil desfazer.
Enquanto não se circulariza existem várias opções e uma delas é o asfalto-borracha, que é um tremendo produto tanto para quem opera quanto para quem transita, reduzindo manutenção, melhorando o desempenho do carro, reduzindo o ruído, que poderíamos chamar de asfalto de alto desempenho.
E quanto à pirólise?
Durante a queima do pneu geramos três produtos: gás que pode ser usado para o próprio processo, óleo pesado e negro de fumo, que é uma matéria-prima importante. Isso é a pirólise, onde é feita uma queima com outros resíduos para gerar energia.
Podemos gerar uma energia verde de resíduo de pneu com outros resíduos numa unidade de energia elétrica, próxima ao lixão e usar CDR, que é o lixo seco, junto com o pneu. Isso é totalmente possível. Observamos a pirólise, mas a indústria ainda está focada no pneu novo e deixa essas soluções irem caminhando por conta própria ou por conta de terceiros.
O pneu tem um poder calorífico muito alto, usado pelas cimenteiras que misturam o pneu com outros resíduos para fazer um blend, para o coprocessamento. O pneu tem essa função importante, tanto no coprocessamento como também na geração de energia, nesse caso.
No caso da pirólise, é pneu puro. É pneu que vira óleo pesado, vira negro de fumo. A pirólise tem ainda dificuldade de fechar a conta, onde o negro de fumo vem um pouco sujo, dificultando seu uso em pneus.
Pneu para carro elétrico é uma realidade?
Na questão do carro elétrico não há nenhum segredo. Estamos fornecendo pneu para carro elétrico, não aqui no Brasil, mas no mundo, com tecnologia que já está definida. Então para a nossa indústria, a indústria que está no Brasil, passar a produzir é uma questão de escala.
Precisamos apenas da demanda?
O que vai acontecer provavelmente, que geralmente acontece, é que o nosso pneu será melhor que o de fora, porque sabemos o que precisa suportar. Por exemplo, ir de 0 a 100 Km/h em 3 segundos numa pista lisa é uma coisa, ir de 0 a 100 em 3 segundos numa pista esburacada é outra história. Mas é tudo questão de ter escala. Lógico que importadores de carros elétricos trazem pneus que não estão no mercado, medidas que não estão no mercado. Voltamos àquela história de fabricação dos moldes, mas a tecnologia do pneu para nossas marcas, não há nenhum problema.
A estrutura da cadeia de borracha depende dos pneus?
Depende sim, sendo 70% do consumo da borracha destinado aos pneus. A borracha é importante, estamos importando borracha, que é uma cadeia que anda em conjunto.
Uma importante pergunta é: “Brasil, vale a pena exportar borracha e importar pneu?" Resposta: Não. Estrategicamente é idiotice, economicamente é idiotice e estruturalmente é idiotice. Já temos toda a cadeia da borracha internamente, precisando apenas mantê-la ou aumentá-la, não precisando montar uma indústria de pneus, assim como não é necessário montar um plantel de seringueiras, onde o seringueiro já está em São Paulo, oferecendo uma logística boa.
Mais de 30% da indústria está em São Paulo, permitindo as condições de sucesso na cadeia, incluindo também a indústria química, que não produz todas as nossas necessidades, mas atende a maioria delas. Observando isso tudo, a indústria de aço, de fios de aço, o pneu, temos uma cadeia que tem que ser observada de forma abrangente, tanto a cadeia em si quanto a questão estratégica de ter a produção no Brasil. Esse é o ponto.
O governo tem sido sensível a esses desafios?
Estamos caminhando, não é um processo fácil, mas estamos caminhando e com o apoio da cadeia produtiva, e quando possível, dos trabalhadores também. Existe uma preocupação muito grande, porque toda cadeia que é desmanchada é emprego que se acaba, não só é desemprego, como você geralmente não se consegue empregar no mesmo valor, com o mesmo salário, a mesma renda, a mesma massa salarial. E isso vai empobrecendo o país.
É uma condição multifacetada que não é dar benefício, protecionismo barato, não é isso não. É dar condições de não deixar entrar o que não deve, com preços absurdos e dar espaço para a indústria e todo mundo crescer junto.
Não tem por que não crescermos, não falta tecnologia, não falta competitividade. Não falta conhecimento, não faltam marcas. As principais marcas do mercado mundial estão no Brasil, que é um país importante para a produção de pneus. Se for para importar vira um país qualquer. Quando se produz é outra história.
Quais as perspectivas para o futuro?
Acredito que a borracha, o pneu e os produtos que vêm da borracha são muito importantes para o país. No caso do pneu, vamos um pouco além, porque tem uma importância estratégica pela matriz de transporte. O Brasil é um país do ocidente que realmente tem produção de pneus e produção de borracha em volumes ambos respeitáveis e com tecnologia própria para produzir os pneus internamente, o que é um grande diferencial.
O Brasil tem que manter, reforçar e mostrar mais claramente esse interesse estratégico de manter essa indústria. O caso da pandemia é emblemático, recente, que mostra para um país a sua importância estratégica. E, no caso, para o Brasil, como um fabricante de pneus, se caso vier a necessidade, que pode fornecer pneus para a América toda e para a Europa, porque tem borracha.
“O Brasil é um país importante para a produção de pneus. Se for para importar, vira um país qualquer. Quando se produz é outra história.”
Caso haja dificuldade de acesso à borracha natural no Oriente - a produção está toda praticamente lá - o Brasil pode ser uma alternativa para essa falta de produto, essa baixa oferta. Essa é uma oportunidade que o Brasil tem que manter em tela e trabalhar para isso. Temos falado muito com o governo sobre essa questão de manter a cadeia produtiva do pneu no Brasil, que isso é importante, o máximo possível e fomentar até substituições, que porventura tivermos que importar. Isso é estratégico para o país, é estratégico para a região, é estratégico para o Ocidente.
A Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP) foi fundada em 1960 e representa a indústria de pneus e câmaras de ar instalada no Brasil, que compreende 11 empresas e 21 fábricas distribuídas por sete estados. A associação atua em prol dos interesses do setor e do comércio internacional, incluindo a defesa contra a prática de dumping por algumas empresas que importam pneus para o Brasil com preços abaixo dos praticados em outros mercados, atividade condenada pela Organização Mundial do Comércio.
A ANIP também trabalha no Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis desde 1999. Em 2007 criou a Reciclanip, entidade voltada exclusivamente para a realização deste trabalho no país. Considerada referência mundial em logística reversa, sendo a maior da América Latina no setor de pneus, atende mais de 1.000 pontos de coleta distribuídos por todo o território nacional. Desde o início da Reciclanip foram coletados e destinados de forma ambientalmente correta mais de 4,7 milhões de toneladas de pneus. A indústria nacional já investiu cerca de R$ 1,8 bilhão nesta operação.